terça-feira, 9 de setembro de 2008

DIREITO - Aborto de anencéfalos

Assunto fundamental para a ordem constitucional, a ADPF 54, em pauta no STF, irá decidir, se o aborto de anencéfalos pode ou não ser considerado crime.
Para iniciar a discussão sobre esse tema, é importante ressaltar que a Constituição da República dispõem no caput de seu artigo 5º, que é, provavelmente o artigo mais importante de todo o texto, que é garantido à todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à vida.
Nossa análise pretende levar em conta apenas elementos de interpretação e responder a questão no plano do Direito, não da política, nem da Ética. Nesse sentido, devemos considerar, da Constituição os seguintes elementos: o que significa a expressão "brasileiros", como se começa e quando se deixa de ser um? E, o que significa a expressão "direito à vida"? Será que as pessoas que ainda não nasceram têm o direito constitucional de nascer?
A resposta à primeira pergunta, visa determinar, quem são os sujeitos de direitos, considerados pela Constituição. Nesse caso, fazemos recurso ao Código Civil, que estabelece que a personalidade começa com o nascimento com vida, e ao Código Penal, que determina uma pena diferente para o homicídio e outra para o aborto. Entramos agora no terreno das hipóteses:
Se, considerarmos que a prática jurisprudencial quanto a esses dois dispositivos é constitucionalmente adequada, temos que reconhecer que os nascituros, não são sujeitos de direitos, isso porque a própria Constituição proibe a discriminação entre os cidadãos. Nesse sentido, a herança, por exemplo, não é do feto, e posteriormente de seus herdeiros legais, mas dos herdeiros legais desconsiderado o feto. Assim, se o feto nascer com vida, ele terá herdado, mas caso não venha a nascer com vida, seus supostos herdeiros não receberam, por esse motivo, herança alguma.
Por outro lado, podemos considerar, como um dado aprioristico, que a Constituição considera os nascituros são sujeitos de direitos, seriamos forçados à considerar toda a prática constitucional já exercida sobre o assunto inconstitucional, o artigo 2º do Código Civil, que dispõe que nascituro não tem personalidade, e o artigo do Código Penal, que dispõe uma pena inferior ao homicídio para o aborto, inconsitucionais.
Precisamos fazer uma escolha para continuar, e eu não tenho dúvidas de que a minha opção é a primeira das opções, nascituro não tem direitos, não tem personalidade, não é pessoa.
Agora, por ter considerado a prática constitucional até agora adequada, tenho que fazer um exercício para justificar a existência da proibição ao aborto, e o farei baseado no valor da vida humana (Para uma análise mais completa desse conceito, ver Ronald Dworkin - Domínio da vida). Embora não exista direito do feto à ser contraposto ao direito da mãe de dispor do próprio corpo como bem entender, não podemos deixar de levar em conta que a idéia de uma sociedade que pratica abortos de forma desenfreda nos causa repulsa.
Isso se da, por que consideramos o aborto fútil, um desrespeito ao valor que vida humana tem por si só, isto é, o valor intrínseco da vida humana. Acreditamos que quando ocorre um aborto por mero capricho, alguma norma moral foi violada. Acreditamos que, embora a mãe possa dispor de seu corpo de forma livre, ela assume uma responsabilidade para com toda a humanidade ao engravidar. É claro que não podemos responsabilizá-la por engravidar involuntariamente, daí a exceção ao crime quando a gravidez resultar de estupro.
Dessa forma, nenhuma sociedade humana, será justa ao permitir o aborto fútil e desmotivado, e a qualquer momento durante a gravidez, essa sociedade estará desrespeitando o valor da vida humana. E portanto, o aborto deve sim, ser limitado de alguma forma.
No entanto, qual é o conceito legal de vida humana? Por acaso não se decreta a morte cerebral de um indivíduo cujo cérebro para de funcionar? Seria então o anencéfalo (que sequer possui um cérebro) um ser vivo? Ou apenas um amontoado orgânico de material genético humano?
Ambas as respostas são simplórias demais, na verade, o valor que possui o anencéfalo não diz mais respeito à sociedade, ou à humanidade, mas apenas aos pais, que podem, ou não, ter algum apego sentimental ao filho que não puderam ter dessa vez. Em outras palavras, as mães devem ter o direito de escolher se sofrerão mais com o anencéfalo em seu ventre por nove meses, vivendo à espectativa de um desastre, ou de um milagres (devemos sempre respeitar aqueles que acreditam), ou se ela sofreria mais com a interrupção provocada da gravidez em uma clínica médica.
A conclusão que temos de chegar então, é a de que a criminalização do aborto de anencéfalos é inconstitucional, e que, a mãe, nesse caso, mais do que em qualquer outro, tem o direito de escolher se quer, ou não levar a gravidez adiante.
Ainda restam questões polêmicas deixadas em aberto no presente texto, como a possibilidade de considerarmos todo o tipo penal que criminaliza o aborto inconstitucional, ou a possibilidade de sermos a primeira democracia que considera os nascituros pessoas. E ainda a discussão (im)plausível sobre a existência ou não do direito à vida.

3 comentários:

Leonardo disse...

Eu sinceramente não consigo supor um argumento válido sequer a favor da criminalização do aborto de anaencéfalos... juro que tentei.

Ricardo Horta disse...

A pergunta mais importante para mim aqui é: POR QUE a vida humana tem valor intrínseco?

Mateus disse...

A vida humana tem valor intrínseco no sentido de que existe um consenso, ainda que você pessoalmente não faça parte dele, de que a vida humana possui um valor que não depende das características da pessoa que vive. Ou então a humanidade faria uso regular da pena de morte e da eugenia.