quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Porque invertemos a importância das coisas nas eleições I (Sobre escolher emocionalmente)

Todo ano eleitoral é a mesma coisa. Somos obrigados, se não a ver, pelo menos a reconhecer a existência dos programas eleitorais. E aí é uma penúria. Primeiro por que todo político é corrupto, certo? Então não temos opção pra votar. Segundo que, nas eleições para o legislativo (vereadores, deputados estaduais e federais e senadores) a coisa fica mais difícil ainda. Em Belo Horizonte, no dia sete de julho, já haviam 967 candidatos registrados para concorrer às 41 vagas da câmara dos vereadores. É um festival de “Zés da Mercearia”, “Marias do Bairro Tal” e etc. Diante de uma situação como essa, o que fazer? Aparentemente, a opção preferencial das pessoas é escolher alguém que está mais perto. E aí entram os amigos, amigos dos amigos, parentes, gente que você simpatiza, e tudo mais. No meio dessa bagunça toda, um amigo é a melhor opção, não?

Psicologicamente, é bem simples entender a maneira como as pessoas escolhem seus candidatos. É bem mais fácil, primeiramente escolher em uma eleição do executivo (presidentes, governadores e prefeitos). No mínimo, temos que escolher entre 10 ou 15, ao invés de 1000. Tirando aqueles que não competem de fato, ficamos entre dois ou três, no máximo. Para o legislativo, no entanto, é outra história. A coisa fica bem mais complicada, e piora quanto mais local é o pleito. Para senador é simples: são pouquíssimas opções. Para deputados federais, geralmente existem alguns nomes mais conhecidos. Mas para deputados estaduais e vereadores, a coisa é uma selva. Não existem favoritos, nomes conhecidos, nada. E vendo os programas de propaganda política, a impressão é de que qualquer um pode se candidatar.

Em segundo lugar, temos o critério subjetivo de fato. Existem vários motivos pelos quais se escolhe um candidato, suas propostas e sua filiação partidária costumando ser os últimos deles. “Já estar aí”, ser bonito, falar bem, ser conhecido, aparecer muito nas mídias, tudo isso é mais importante. Esse critério atinge todas as eleições, do executivo ou legislativo. A diferença é que o critério mais usado, o do “já estar aí”, geralmente não se aplica ao legislativo. Entro nisso mais adiante.

Novamente, é fácil compreender. É bem mais plausível escolher um candidato pela sua “cara” (tanto a aparência física como o caráter dela veiculado nas propagandas) do que conhecer partidos, política e etc. Nossa psiquê é assim. Queremos uma pessoa que pareça com a gente, seja “um trabalhador como nós”, seja “um administrador eficiente”. Queremos alguém que vista-se bem, que tenha boa criação, boa família, não tenha cometido um crime (Não matar e roubar. Crimes “políticos” são outra história). A eleição do Collor, ou melhor, as eleições do Collor, mais Clodovil e Antônio Roberto são prova viva disso. Novamente, quanto mais local a eleição, mais complicado: quando chegamos aos vereadores, ainda incluímos o critério “QI” (amigo, indicado, etc.).

O problema é que esses não são critérios válidos de escolha, e a situação piora quando são usados nas eleições do legislativo, tão importantes ou até mais ainda do que as do executivo.

Comecemos pelo critério do “já estar aí”, comumente chamado de “história” ou “trajetória”. É um combinado de história política, desempenho do candidato, e o fato de ele ter sido eleito antes. A questão, que me impede de chamar isso de trajetória, é que não se trata da história e do desempenho de fato. São eles, da maneira que aparecem nos programas eleitorais, junto com opiniões, geralmente da imprensa corporativa (global?), que espalham-se e tornam-se uma espécie de opinião popular. É o que ocorre quando ouvimos uma frase do tipo: “é, vou votar no fulano mesmo. Ele já tá aí, fez um trabalho até bom, eu gosto dele, olha o tanto de obras que ele fez. Depois entra outro e vira uma confusão de novo. Melhor ele que já tá lá mesmo”.

E qual o problema com isso, qual o problema com escolher emocionalmente em quem votar? O problema, que as pessoas não sabem, ou esquecem, é que os milhares ou milhões de reais de financiamento de campanha não vão só para fazer santinhos. Vão também para pagar uma agência de publicidade, que vai pegar o fulano e dar um “trato” na pessoa e na história dele. Não vão mentir (ou não muito, pelo menos), mas vão dar uma acentuada nas coisas boas que ele fez (ou na participação nas coisas boas dos outros), dar uma escondidinha nas coisas ruins, fazer ele e a família aparecerem bastante, sorrindo, botar eles numa roupa adequada (um terno, se ele é mais rico, ou uma coisa mais simples, se a idéia é passar a imagem de trabalhador), acentuar um sotaque, para fazer ele parecer mais caseiro, etc. Tudo isso meticulosamente calculado para que ele apareça como uma pessoa boa, justa, trabalhadora, eficiente, e tudo o mais. Não importa a pessoa que ele seja realmente: importa a pessoa que ele pode parecer enquanto dure sua campanha.

E isso não tem nada a ver com os critérios que orientam o trabalho de um político realmente: sua história política real e principalmente sua afiliação partidária. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, ano passado, que o mandato de um político pertence ao partido e não à pessoa. Isso significa que quem manda na “orientação geral” do candidato é o partido ou coligação à qual ele pertence. A sua história política real dirá qual sua orientação pessoal dentro daquela geral pertencente ao partido.

Nada disso, porém, pode ser conhecido apenas vendo os programas eleitorais, a mídia corporativa, e repetindo pelas ruas os mesmos argumentos. É preciso se informar, saber qual o projeto geral do partido, à que tipo de ideologias ele responde, quais foram os projetos de lei que seu candidato já redigiu, qual o seu voto nas propostas de outros, etc. E isso tudo está aí para ser consultado, ainda mais em tempos de internet. Como já disse antes, a política não é uma opção. Se queremos de fato tomar o controle daquilo que já controlamos, sem saber, e mudar alguma coisa, é preciso por mãos à obra.

3 comentários:

Mateus disse...

Gosto muito dessa denúncia, de que a política não é uma escolha. Aliás, o Leonardo Quintão, que deve ser o próximo prefeito de Belo Horizonte (embora eu preferisse a Jô) trabalha isso em sua campanha. Diz ele: "Você tem certeza que não quer escolher um candidato? Porque prefeito vai ter!"

Eu, aliás, acho que temos motivos para acreditar nos partidos mesmo que eles não acreditem em si mesmos. Quem sabe fazendo isso a gente não força a barra para que as ideologias, e não os interesses pessoais sejam os fatores determinantes na política.

Abraço,
M.M.Araújo

Leonardo disse...

Concordo. A questao, acredito, e´ que a politica se separou do "resto do mundo" em algum ponto, e de tal forma que os proprios politicos hoje se julgam estando `a parte. Por isso deve haver um esforço para retomar uma responsabilidade politca. Por mais que nao pareça, e´ de fato uma responsabilidade, e nao opçao.

Leonardo disse...

Continuando. Aí se institucionalizou o costume de que não fiquemos sabendo do que rola na política de fato, sendo que eles somos nós e, por conseguinte, temos o direito de saber de tudo. (Vide voto secreto e etc) Trata-se então, de trazer as coisas à tona, fazer com que as pessoas em geral consigam saber (pelo menos um pouco) o que é ser de esquerda ou de direita, como funciona a democracia, e por aí vai.