segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sentimento não: sintoma

Estive, há pouco, conversando com um amigo meu, que terminou um namoro recentemente, e está, coitado, de coração partido já fazem quase seis meses. Ele reclamava que todo mundo dizia para ele que era "bola pra frente", que ele já estava muito tempo nessa, etc., e que queria mesmo era que o deixassem curtir a fossa dele em paz. Outro amigo (amigo ainda não, parceiro de discussão, mas amigo em breve) me perguntou se eu acreditava em alma separada de corpo, ou que o pensamento e a razão não têm bases biológicas. O que eles têm em comum? Nada, na verdade, mas o assunto é interligado, para mim, e vou tentar explicar o por quê.

A chamada ciência empírica obteve (e obtém) avanços vertiginosos no conhecimento do homem. Ressonâncias, tomografias, estudos metodicamente controlados, tudo isso tem nos fornecido um volume de informações sobre o corpo humano que jamais tivemos antes. Juntamente, novos medicamentos, cada vez mais com ação mais especializada, aparecem para agir contra toda sorte de sofrimentos. E, contra isso, não tenho absolutamente nada. Posso não ter a crença que Freud tinha na ciência, mas certamente não vou dizer que boa ela não é. O que considero ingênuo, no entanto, é achar que essa ciência é imparcial e idônea. E isso certamente não é. Essa evolução não veio sem preços. Voltando ao meu amigo de coração partido, disse-lhe que as pessoas não o deixavam em paz porque hoje não existem mais sentimentos, só sintomas. A existência humana hoje é tomada como coisa médica, a qual temos de medir e medicar o tempo todo. Não existe mais tristeza, só depressão; não alegria, e sim euforia ou mania; a angústia ou ansiedade virou síndrome do pânico. Nem mesmo as crianças estão à salvo: contra a inquietude natural da infância (que piora à medida que sua liberdade é cada vez mais cerceada), surgem os diagnósticos da já conhecida hiperatividade. Tudo isso, como todo sintoma, muito bem medicado, para a paz de espírito dos sofredores. Ou não? O otimismo proveniente desse avanço na ciência fez com que os cientistas pensem hoje que tudo pode ser resolvido nas neurologias ou nas genéticas. É essa ideologia que considero perigosíssima.

Respondendo ao meu outro amigo: não, não acho que a razão é separada do corpo. No entanto, acho que essa ligação física entre pensamento e corpo, embora exista, jamais será "encontrada": não acharemos o giro da razão, ou coisa do tipo. Tampouco acredito que o que "já achamos" é verdade de fato. Muita coisa já foi dita em nome da ciência empírica que simplesmente deixou de ser verdade depois. A provisoriedade da verdade empírica faz com que seja tão metafísica quanto qualquer outra: algum dia irão rir de nós por já ter achado que os elétrons, prótons e nêutrons eram as menores partículas do universo.

Acredito, sim, na neurologia, na genética e na medicina: mas trabalhando juntas com uma psicologia, com uma filosofia. A realidade é uma só, nós é que a categorizamos. O homem não poderá jamais ser tratado nem só por uma, nem por outra. Justamente por acreditar que corpo e mente são interligados, sou contra a ideologia de medicar o sentimento humano. Não contra o medicamento em si, mas como tratar do corpo sem tratar da mente, visto que são o mesmo? O medicamento é ótimo, já disseram, como "muleta química": serve para que o sujeito retome um certo controle e conforto para lidar com a questão. Pular essa parte significa não curar nada, e sua síndrome do pânico pode virar insônia, depois enxaqueca, depois alergia... a corrente não pára.

Não é o caso, obviamente, de todos nós irmos fazer terapia (não que muitos não precisem), e sim o de viver, simplesmente. Hoje estamos despreparados para lidar com as dores e dificuldades inerentes à própria vida: por isso jogamos os filhos pela janela, atiramos nas ex-namoradas, matamos os pais que não deixam ir ao show do Calypso, enfim... lidamos de forma extremada com experiências completamente normais, que vêm sendo privadas, contudo, desde cedo. Por isso falo de mente e de corpo, não por razões científicas, mas por razões políticas. Sou absolutamente contra essa ideologia medicamentalista que só faz crescer no mundo hoje.

2 comentários:

Mateus disse...

Muito bom. Só tenho uma pergunta a fazer, e ela é importante. O mundo está melhorando ou piorando, e porque?

Ps.: O porque se refere aos indícios que vc vê, e não aos motivos.

Leonardo disse...

Não sei... Acho que está piorando. O individualismo nunca esteve tão na moda, os mecanismos e ofícios de disfarçar a realidade e os fatos nunca foram tão rentáveis, o desenvolvimento acadêmico é cada vez mais "científico", sendo cada vez menos moral e/ou ético... enfim.
Nunca as coisas foram tão discutidas, mas também nunca os termos foram tão errados. A internet é uma ferramenta democrática de valor absurdo, mas até agora só vem mostrando que gostamos mesmo é de mulher pelada.